Lei da Escuta Protegida: aspectos e procedimentos de atendimento no SUAS

Lei da Escuta Protegida: aspectos e procedimentos de atendimento no SUAS

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A Lei n° 13.431/2017, que passou a vigorar em 5 de abril de 2018 (Lei da Escuta Protegida), estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência. Além disso, alterou a Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), e é fundamental que profissionais especializados, como por exemplo, o assistente social estejam aptos a proceder com a escuta especializada e o depoimento especial.

Conforme Recomendação n° 33 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tendo em vista que, a escuta especializada e o depoimento especial, poderão ocorrer em oitivas judiciais e extrajudiciais, e os profissionais capacitados deverão ser nomeados pelos juízes competentes, desde que estejam devidamente registrados no Conselho Regional de Serviço Social (CRESS) e inscritos nas varas da infância e adolescência.

As medidas adotadas pela Lei da Escuta Protegida,  tem por objetivo proporcionar uma atenção e um atendimento integral e interinstitucional, compostos por equipes multidisciplinares especializadas, que compõem a rede de atendimento à criança e ao adolescente.


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Antes de adentrarmos no campo da assistência social, vejamos alguns elementos primordiais para o procedimento da escuta especializada e do depoimento especial.

Elaboração do PIA de crianças e adolescentes em Serviços de Acolhimento

Da Escuta Especializada e do Depoimento Especial

Tanto a escuta especializada quanto o depoimento especial deverão ser realizados em local apropriado e acolhedor, que ofereça infraestrutura e espaço físico adequados, e que garantam a privacidade da criança ou do adolescente vítima ou testemunha de violência.

Para evitar qualquer ato que represente ameaça, coação ou constrangimento, por parte do suposto autor ou acusado, é garantido a criança ou ao adolescente, o direito de se resguardar de qualquer tipo contato, mesmo que seja visual.

1. Escuta especializada

 O procedimento da escuta especializada, ocorre em forma de entrevista sobre a situação de violência vivenciada pela criança ou adolescente, através de um órgão pertencente a rede de proteção, na qual o relato é estritamente limitado ao necessário para o cumprimento de sua finalidade.

 2. Depoimento especial

Procedimento que ocorre durante a oitiva da criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência perante autoridade policial ou judiciária. De acordo com a Lei da Escuta Protegida, sempre que possível, será realizado uma única vez, e serve como meio de  prova judicial antecipada.


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Os casos em que o depoimento especial servirá como prova judicial de antecipação, deverá ser realizada quando

  1. A criança  tiver menos de 7 (sete) anos;
  2. Em caso de violência sexual.

Nestes casos, não serão admitidos um novo depoimento especial, a não ser, quando justificada a necessidade pela autoridade competente e houver a concordância da vítima ou da testemunha, ou de seu representante legal.

O depoimento especial deverá ser realizado conforme os seguintes procedimentos

  1. Os profissionais especializados esclarecerão a criança ou o adolescente sobre a tomada do depoimento especial, informando-lhe os seus direitos e os procedimentos a serem adotados e planejando sua participação, sendo vedada a leitura da denúncia ou de outras peças processuais;
  2. É assegurada à criança ou ao adolescente a livre narrativa sobre a situação de violência, podendo o profissional especializado intervir quando necessário, utilizando técnicas que permitam a elucidação dos fatos;
  3. No curso do processo judicial, o depoimento especial será transmitido em tempo real para a sala de audiência, preservado o sigilo;
  4. Ao término do procedimento, o juiz, após consultar o Ministério Público, o defensor e os assistentes técnicos, avaliará a pertinência de perguntas complementares, organizadas em bloco;
  5. O profissional especializado poderá adaptar as perguntas à linguagem de melhor compreensão da criança ou do adolescente;
  6. O depoimento especial será gravado em áudio e vídeo.

É importante ressaltar que, visando garantir o direito à intimidade e à privacidade da vítima ou testemunha, o depoimento tem como norma, a preservação e segurança da mídia relativa ao depoimento, podendo ainda, a vítima ou testemunha de violência ter o direito de prestar depoimento diretamente ao juiz.

Cabe ao profissional especializado, comunicar ao juiz se verificar que a presença, na sala de audiência, do autor da violência pode prejudicar o depoimento especial ou colocar o depoente em situação de risco, caso em que, fazendo constar em termo, será autorizado o afastamento do imputado.

Tipificação das Condutas Criminosas

De acordo com o Art. 4°, da Lei da Escuta Protegida, são consideradas condutas criminosas, as seguintes formas de violência:

  1. Violência física, entendida como a ação infligida à criança ou ao adolescente que ofenda sua integridade ou saúde corporal ou que lhe cause sofrimento físico;
  2. Violência psicológica:
    1. qualquer conduta de discriminação, depreciação ou desrespeito em relação à criança ou ao adolescente mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, agressão verbal e xingamento, ridicularização, indiferença, exploração ou intimidação sistemática (bullying) que possa comprometer seu desenvolvimento psíquico ou emocional;
    2. ato de alienação parental, assim entendido como a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente, promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou por quem os tenha sob sua autoridade, guarda ou vigilância, que leve ao repúdio de genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculo com este;
    3. qualquer conduta que exponha a criança ou o adolescente, direta ou indiretamente, a crime violento contra membro de sua família ou de sua rede de apoio, independentemente do ambiente em que cometido, particularmente quando isto a torna testemunha;
  3. Violência sexual, entendida como qualquer conduta que constranja a criança ou o adolescente a praticar ou presenciar conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso, inclusive exposição do corpo em foto ou vídeo por meio eletrônico ou não, que compreenda:
    1. abuso sexual, entendido como toda ação que se utiliza da criança ou do adolescente para fins sexuais, seja conjunção carnal ou outro ato libidinoso, realizado de modo presencial ou por meio eletrônico, para estimulação sexual do agente ou de terceiro;
    2. exploração sexual comercial, entendida como o uso da criança ou do adolescente em atividade sexual em troca de remuneração ou qualquer outra forma de compensação, de forma independente ou sob patrocínio, apoio ou incentivo de terceiro, seja de modo presencial ou por meio eletrônico;
    3. tráfico de pessoas, entendido como o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento da criança ou do adolescente, dentro do território nacional ou para o estrangeiro, com o fim de exploração sexual, mediante ameaça, uso de força ou outra forma de coação, rapto, fraude, engano, abuso de autoridade, aproveitamento de situação de vulnerabilidade ou entrega ou aceitação de pagamento, entre os casos previstos na legislação;
  4. Violência institucional, entendida como a praticada por instituição pública ou conveniada, inclusive quando gerar revitimização.

Procedimentos de Atendimento no Âmbito do SUAS

De acordo com a Lei da Escuta Protegida, ao que se refere à assistência social, deverão ser tomadas as seguintes providências:

  1. Elaboração de plano individual e familiar de atendimento, valorizando a participação da criança e do adolescente e, sempre que possível, a preservação dos vínculos familiares;
  2. Atenção à vulnerabilidade indireta dos demais membros da família decorrente da situação de violência, e solicitação, quando necessário, aos órgãos competentes, de inclusão da vítima ou testemunha e de suas famílias nas políticas, programas e serviços existentes;
  3. Avaliação e atenção às situações de intimidação, ameaça, constrangimento ou discriminação decorrentes da vitimização, inclusive durante o trâmite do processo judicial, as quais deverão ser comunicadas imediatamente à autoridade judicial para tomada de providências; e
  4. Representação ao Ministério Público, nos casos de falta de responsável legal com capacidade protetiva em razão da situação de violência, para colocação da criança ou do adolescente sob os cuidados da família extensa, de família substituta ou de serviço de acolhimento familiar ou, em sua falta, institucional.

Conclusão

Por tratar-se de uma lei sancionada recentemente, é importante que no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), a rede socioassistencial esteja preparada. Tanto em relação a oferta de serviços, programas e benefícios às vítimas ou testemunhas, quanto a possuir uma equipe de profissionais capacitados. Esses profissionais deverão atuar de forma articulada e integrada com as demais políticas de atendimento a serem implementadas nos sistemas de justiça, segurança pública, educação e saúde de modo a garantir a proteção da criança e adolescente.

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